Dia de Agradecer
aqueles que são nossos Pais ou simplesmente os "negos" companheiros.
O cheiro da fumaça do cachimbo, do café e do palheiro. Dia de relembrar a dor
e a alegria desses senhores mandingueiros.
Dia que dá vontade de um abraço do Pai Cipriano ou do Nego
Benedito, histórias que se cruzam, caminhos que se reencontram, o significado
de uma amizade e o amor de dois médiuns. Dia de histórias desconhecidas e
saudades da terra distante.
Um dos meus
companheiros espirituais, um guia como são chamados na Umbanda ou para mim um
amigo , atende pelo nome de Pai Cipriano. Outro companheiro é chamado pelo nome
de Nego Benedito, também um guia na Umbanda e para mim um Padrinho.
Eu, Matheus e uma
amiga, Eliane, quem sabe uma mãe, uma madrinha . Quatro espíritos,
duas almas (se considerarmos pelo Kardecismo que alma é o espírito quando
encarnado) uma única história:
Dois escravos,
portanto estamos antes do dia 13 de maio de 1888.
O primeiro, cujo nome antigo
desconheço mas que agora atende por Cipriano , trabalha na casa grande.
Escravo de sorte , apesar de todo sofrimento e dor de ter sido arrastado da mãe África em um fétido, sujo e escuro porão de um navio , agora tem alguns privilégios que outros escravos de mesma sorte não o tem.
Escravo de sorte , apesar de todo sofrimento e dor de ter sido arrastado da mãe África em um fétido, sujo e escuro porão de um navio , agora tem alguns privilégios que outros escravos de mesma sorte não o tem.
Um desses outros escravos é o
Nego Benedito, escravo rebelde, daqueles que dava dor de cabeça aos senhores e
diversão aos feitores. Dois amigos....
Cipriano, bem
tratado, com comida sempre disponível da casa grande, com algo mais parecido
com uma cama do que o chão de terra da senzala . Além disso , invejado, caluniado
por fofoqueiro entre os escravos que não tinham comida farta, pelos escravos
que dormiam em um chão frio , de terra batida na antiga Bahia. Fosse assim bem
tratado, algo que agradasse aos senhores esse escravo deveria fazer. Independente
do que fosse, não era bem visto pelos seus irmãos pretos que tantas vezes
recebiam comida escondida desse mesmo escravo.
Negro sábio e astuto, sabia que
não poderia perder seus benefícios (nem queria ) portanto contava com a ajuda
de um dos rebeldes: o negro Benedito.
Era simples o plano:
Cipriano tinha acesso às chaves da despensa da casa grande. Uma sala grande,
não muito iluminada, logo atrás da cozinha, com um tesouro para aqueles que
passavam fome. Repleta de prateleiras cobertas com carne misturada em uma
espécie de farinha, sal e outros condimentos que permitiam que a carne durasse
mais; além disso, o que ali dava em abundância na terra como mandioca, feijão ,
batatas, um tesouro que os senhores não mensuravam e nem notavam sua falta.
Assim, em um pequeno balaio, Cipriano colocava um pouco de tudo e entregava ao
negro rebelde, que distribuía na senzala.
Um velho negro, com
um único amigo. Invejado pelos outros , detestado por seus privilégios, mas no
fundo um ser de bom coração. Coração esse, que ao ver seu único amigo e
companheiro ir ao tronco mais uma vez, entristeceu pela certeza da morte. Se os
senhores não eram capazes de levantar o chicote, eles encontravam nos feitores,
seres que se deleitavam com o sofrimento do povo negro que sangrava da mesma
forma. Essa satisfação em ouvir os gritos de dor dos negros era combustível
para a maldade, que as vezes não via limite.
Em belo dia
ensolarado e como sempre fazendo o pequeno plano de roubar comida da casa
grande para a senzala, o negro Benedito foi pego. Qual não foi a surpresa dos
senhores e a alegria dos feitores em contraponto com a tristeza e o medo de
Cipriano. Sabendo do cruel destino que o esperava e das chibatadas que amarrado
no troco levaria, Benedito nega-se a entregar Cipriano para os senhores, que
com certeza o colocariam no tronco pela primeira vez . No tronco, enquanto
recebia os açoites de um feitor , ali se estabeleceu um linha bem simples, uma
linha pequena que ligava para sempre o destino de quatro almas: a linha da Lei.
Aquele escravo ,
enquanto seu sangue quente escorria pelas feridas abertas ,não era menos quente
suas preces aos antigos senhores (o que chamamos de Orixás). Em meio ao pranto
e à dor, ciente que sua hora era chegada e em serena prece, pediu para que sua
mãe Oxum o acolhesse em seus braços e acalmasse seu pranto. Sua surpresa,
quando em espírito viu que Cipriano acolheu em seu colo seu corpo já falecido ,
tirando das correntes que o amarravam e com o mesmo intuito orava aos senhores
Orixás. Oxum, percebendo a dor e o sofrimento em tantos corações , intercedeu
junto a Olorum pedindo uma nova chance para os intérpretes daquele história.
Benedito não só foi amparado nos braços da Mãe Oxum como pedira, mas em seu
rosto sentiu as lágrimas que dos olhos dela caiam. Não eram lágrimas de dor,
mas a mais pura lágrima de amor, que só a Senhora das águas doces poderia
verter, e assim , unir aqueles almas para a eternidade.
Cipriano, com o
avançar do tempo, e já com 50 anos, sentindo a enorme tristeza da perda de seu
único amigo e o cansaço da idade, numa tarde quente desencarnou em meio a um
campo sem que nenhum dos senhores e nem mesmo seus irmãos escravos notassem sua
falta. Acorda no plano espiritual desiludido: esperava encontrar os seus orixás
que cultuava em segredo nos terreiros de chão de batido, quem sabe algum
familiar, ou até mesmo um daqueles anjos que diziam os senhores existir.
Encontrou porém um homem de capa preta, chapéu e cartola, uma bengala na mão e
um charuto na boca. Aquele estranho senhor ,que em nada assemelhava-se a um
anjo, com uma gargalhada disse:
-“É chegada a hora de se estabelecer e quitar seus débitos
com a lei Maior. Se em vida não tivestes sofrimento, não sofrestes a dor da
carne nem a fome, a sede e o trabalho incansável, tens agora a oportunidade de trabalhar em nome
do Mestre Maior, conhecendo o que há de mais escuro no ser humano. Porém,
sentirás a dor como se em tua carne fosse.”
Pensando ser seu único caminho, Cipriano aceita o convite
daquele senhor de Capa Preta e passa a trabalhar como um Guardião no astral, indo
até as trevas que os humanos criam através de seus pensamentos e ações.
Em um desses locais
encontra um dos seus antigos desafetos : um dos feitores responsáveis por matar
seu amigo Benedito ainda quando encarnado. Por determinação do alto, e sabendo
que a lei deveria ser cumprida, Cipriano decide interceder por aquele espírito
esquecido nas dores e aflições de sua alma. Em sincera prece, pede para que
nova chance seja depositada naquele espirito.
Lá do alto, um Negro
todo de Branco a tudo assistia com dor no coração e novamente são ligadas as
vida desses espíritos através da prece. São convocados os senhores cármicos
responsáveis pelas encarnações e então um novo plano é traçado. A Lei da
Umbanda se faz cumprir.
Ficaria determinado
que Cipriano (agora um Capa Preta) receberia novo convite de trabalho ao lado
de seu amigo Benedito e assim se fez: Benedito desce até aqueles campos
trevosos, encontra seu amigo e pede para que juntos sigam uma nova caminhada e
um novo trabalho; serviriam à Umbanda, como Pretos Velhos, novamente lado a
lado.
Pai Cipriano e Nego Benedito (com seus 'cavalos' Matheus e Eliane) |
Hoje esses espíritos e essas almas se encontram em um
terreiro, onde cumprindo a lei, um serve de cavalo para Cipriano e o outro para
Benedito. Desta forma, os Negos podem seguir juntos, como antigamente, agora
servindo ao bem e amparando aqueles, que mesmo causando tanta dor estão ligados
pelo amor.
13 de maio de 2014
Por
Matheus Capra Ecker
Inspirado por Pai Cipriano das Almas
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