Ele era um moço muito forte e tinha, seguramente, mais de
1,90m. Seus braços podiam causar medo a algum desavisado que não soubesse que
apesar da rude aparência, ali estava um homem de enorme generosidade e integral
paciência.
Um negro muito belo,
de barba rala, olhos grandes e rasgados, com sobrancelhas erguidas e
imponentes. Sorriso largo, apesar dos dissabores que a vida lhe impôs, em meio
aos seus 40 anos.
Seu traje era
simples, mas não deselegante. Vestia uma bata de linho, com decote em “V”, com
um cordão transpassado para amarrar. Sua calça era de algodão cru, muito alvo,
na altura da canela. Como adereço, usava também um chapéu de aba média, caída.
Tudo muito branco, exceto o lagdibá de casca de côco, que carregava pendurado
no pescoço.
Era impossível não
notá-lo, pois tratava-se de um negro lindo e gigante, nascido na parte sul de
Angola e trazido para o oeste da Bahia num navio negreiro.
Por seu porte físico,
foi empurrado para o trabalho mais pesado, na extração manual de pedras para
construções.
Era filho de Xangô, então, a pedreira lhe era ambiente familiar.
Nunca, apesar das dores do açoite, perdeu seu olhar amável e a ternura de sua
voz.
Um dia, bem jovem,
enxergou uma mocinha servindo a casa grande. De imediato o seu coração se
manifestou. Ficara perdidamente apaixonado pela negra esbelta, de altura
mediana e olhos arregalados. Entretanto, a moça servia a casa e também servia o
patrão, que não se incomodava em “usá-la” diante dos olhos de quem quer que
fosse.
Nunca pode revelar
seu amor a ela. Apenas podia olhá-la, de longe, enternecido de paixão. E assim viveu
seus dias a adorar a moça e a sufocar seu sentimento, sem que jamais ela
soubesse.
Seu coração pródigo e
sua finura com as palavras o transformou num conselheiro dos amigos da fazenda
e sua fama de bom orientador corria léguas e o tornaram, naturalmente, numa
liderança.
Tal fato era visto
pelo patrão, capatazes e capitães do mato, como uma influência negativa,
responsabilizando-o por qualquer fuga ou rebeldia que houvesse e, por
consequência, levava-o ao tronco. Tantas foram as chibatadas que lhe resultou
numa grave fratura na perna direita, que nunca mais pode pisar com firmeza.
Suas orientações, no
entanto, não tinham o caráter da rebeldia, mas o daquilo que considerava justo,
talvez por influência de seu Orixá. Cada vez mais era consultado pelos
compartes, em todos os momentos de decisões. À noite, seu cantinho na senzala
recebia filas de consulentes, em busca de uma palavra e de uma direção.
Benedito, mesmo
tomado pela exaustão do pesado trabalho com as pedras, atendia a todos, sempre
paciente e tranquilo.
Quando, finalmente,
conseguia se recostar para o descanso, Rosa, nome dado pelo senhor, lhe
aparecia em pensamentos. Seu coração apertava e quase sempre dormia com uma
lágrima lhe escorrendo pelo pretume de seu rosto.
A maior dor que
sentia, no entanto, não era a do amor por ela. Nem era das surras
incomensuráveis que recebia por suas consultas. Tampouco era a dor de vê-la
tomada pelo patrão.
Sua maior dor era a
de assistir seu povo subjugado pela escravidão. A injustiça era o que mais lhe
tocava a alma e o acometia de uma dor infinda. Nestes momentos, quando a dor
lhe sufocava, Benedito se recolhia na pedreira e, em meio às lágrimas, pedia
aos espíritos de luz que ofertassem clemência aos seus consanguíneos.
Algumas vezes,
chegava passar noites entre as pedras, conversando com seus guias. Nestas
oportunidades, era comum que o povo do galpão se preocupasse, pois sempre,
todas as noites, sem exceção, havia alguém que lhe procurava para se nortear.
Só era poupado de
suas consultas quando adentravam o mato para realizarem sessões de seu culto.
Nestes momentos ia para o canto da gira e lá assumia de forma magistral a
condição de tamboreiro.
Numa das noites que
esteve na pedreira a renovar sua fé e buscar orientação intuitiva para orientar
seu povo diante de uma revolta eminente que se forjava, foi atacado por uma
cascavel, embolada no meio das pedras.
Ainda tentou voltar
para os seus, mas o veneno rapidamente se espalhou em sua corrente sanguínea e
acabou tombando no meio do mato.
Seu corpo só foi
encontrado dois dias depois. Não fora a pequena perfuração em seu tornozelo
direito, não haveria qualquer comprovação do que lhe houvera abatido.
Seu corpo estava
intacto, as roupas impecavelmente alvas, o chapéu cobrindo-lhe o rosto, como
quem houvera deitado para um breve cochilo e, mesmo após dois dias de óbito,
exalava um suave perfume de alfazema, com a qual Benedito gostava de banhar-se.
A história foi escrita por Sônia Corrêa (médium da casa),
mas ditada e
autorizada a sua publicação
pelo próprio
Nego Benedito.
Estou emocionada. E o nego também!
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