Por Sônia Corrêa
A tribo encravada no povoado que hoje é conhecido como Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros, interior de Goiás, originalmente, vivia do plantio de milho, mandioca e criação de animais. Tempos depois, a aldeia foi sendo cercada por exploradores de cristal e seu espaço foi reduzindo e houve muita luta pela defesa do território.
A tribo encravada no povoado que hoje é conhecido como Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros, interior de Goiás, originalmente, vivia do plantio de milho, mandioca e criação de animais. Tempos depois, a aldeia foi sendo cercada por exploradores de cristal e seu espaço foi reduzindo e houve muita luta pela defesa do território.
Enquanto as meninas da comunidade se embrenhavam no cultivo
da subsistência, Tainá Uyara se escondia para espionar o feiticeiro no exercício
da cura e no manuseio das ervas. Ela se encantava com o milagre que
transformava moribundos em pessoas saudáveis, através dos chás e unguentos
usados pelo pajé.
Entretanto, o que arrebatava a menina era a capacidade do
curandeiro em se conectar com os deuses da floresta e com os ancestrais, num
ritual de fogo, folhas e fumaça cheirosa. Tainá Uyara arregalava os olhos e
avigorava sua capacidade auditiva e de memória para ouvir e arquivar cada
palavra proferida pelo feiticeiro.
Durante meses a menina comboiava e espreitava o pajé, certa
de que não era notada. Até que, numa tarde, enquanto o velho índio se preparava
para mais um ritual, no meio da floresta, ele assobiou para que ela saísse de
traz da árvore e fosse até ele. Assustada, Tainá Uyara aproximou-se, certa de
que receberia alguma represália.
O pajé, no entanto, conduziu o ritual com tranquilidade,
mostrando a ela cada ato e explicando o significado de cada elemento. Ao voltar
para tribo, o sacerdote foi ao cacique e chamou os pais da menina para
assegurar autorização para que Tainá Uyara passasse a acompanhar a lida do
feiticeiro e aprender o ofício.
Embora o cacique tenha ponderado o fato de tratar-se de uma
menina, o sacerdote convenceu a todos que não havia impedimento para o manuseio
das plantas medicinais e, nem mesmo, para que a menina se tornasse uma
sacerdotisa e se conectasse com os espíritos.
Desde então, Tainá Uyara passou a aprender todos os rituais,
a conhecer os chás e ervas para cura de doenças, a receber as mensagens dos
deuses e ancestrais da floresta e a dominar o fogo das pajelanças. Passaram
cerca de 20 anos até o dia que o feiticeiro morreu.
Tainá Uyara coordenou os rituais de despedida do curandeiro
e, pela primeira vez, assumiu sozinha a taba de cura da aldeia.
As crenças e rituais religiosos daquela tribo eram baseadas nas
forças da natureza e nos espíritos dos antepassados e era para eles que se faziam
rituais, cerimônias e festas. Tainá Uyara era o responsável por transmitir
estes conhecimentos aos povos da tribo. Ela assumiu a figura de conselheira,
curandeira, feiticeira e mediadora espiritual da comunidade.
Tainá Uyara se destacava pela evidência de seus poderes
sobrenaturais e a capacidade de expulsar espíritos malignos e doenças das
tribos. Orientada pela ancestralidade, ela também desenvolveu técnicas de transmissão
de cura pela potência das mãos, com massagens, ou apenas emanando energia.
Outra prática desenvolvida por ela foi a utilização de ervas, raízes e sementes
em banhos medicinais.
A pajé Tainá Uyara também revolucionou o conhecimento da
aldeia. Pela sua experiência de vida, ela compreendia a importância de formar
novos curandeiros. Mesmo respeitando a hierarquia e defendendo que a figura do
pajé era determinante para o prosseguimento da cultura da sua tribo, ela achava
que os conhecimentos básicos de cura deveriam ser acessíveis a todos.
Assim, Tainá Uyara ensinava as crianças e as mulheres da
tribo os primeiros socorros e as ervas para utilização de enfermidades menos
complexas. Ela viveu até os 97 anos, sem jamais deixar de exercer o ofício.
Morreu dormindo.
Numa noite, Tainá Uyara, com aparência entre 50 e 60 anos,
veio me visitar em sonho. Ela foi logo anunciando que iria trabalhar comigo, no
terreiro do Pai Joaquim e destacou, com muita ênfase que era brasileira e que,
portanto, não iria trabalhar com rituais xamãs, mas com pajelança.
Eu confesso que não entendi nada pois, embora já tivesse
assistido um ritual de pajelança na Bahia, em 2015, num encontro de povos
originários, não sabia a diferença entre xamanismo e pajelança. Para falar a
verdade, nem sabia que havia alguma diferença, ou o que se fazia em cada um dos
rituais.
Tainá Uyara realizou um ritual, diante de mim, durante o
sonho. Nele, ela segurava um maço bem grande de folhas verdes, enquanto uma
fogueira queimava ao seu lado. Ela batia as folhas em seu próprio corpo e
falava mantras indecifráveis. Depois, jogou o maço de folhas sobre o fogo e
isso gerou uma farta fumaça branca. Então, ela se direcionou para o meio da
fumaça e se defumou.
Depois disso, ela me explicou que trabalhará com ervas, fogo
e fumaça como elementos de limpeza espiritual e cura.
Conversei com o Pai Joaquim sobre o assunto e também com
algumas médiuns sobre o trabalho. O Pai Joaquim me explicou que uma das
diferenças entre os rituais dos xamãs e a pajelança, está ligada aos elementos
de trabalho. Os xamãs têm como referência animais. Os pajés têm as ervas.
Intui que a índia que tem se manifestado com a médium Brenda
é da mesma tribo que a da Tainá Uyara. Isso, para mim, ficou mais evidente,
quando num encerramento de trabalhos, o Pai Joaquim falou sobre a manifestação
de novos amigos espirituais, especialmente, povos da mata.
Tainá Uyara ainda não se manifestou no terreiro, mas voltou
a falar comigo em sonho e dessa vez, pude ver que ela usava uma saia de palha,
um colar de semente avermelhada, que pesquisei e descobri ser de pau brasil.
Hoje, finalmente, ela me intuiu a escrever esse relato.
Sinto-me ansiosa pelo momento em que ela vai se apresentar
para o trabalho, embora com um mega frio na barriga. Mas, aprendi que o momento
certo é definido pelo senhor do tempo. Eu aguardo.
Sônia Corrêa
Médium da Casa Pai Joaquim de Cambinda.
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