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quarta-feira, 4 de abril de 2018

Ana, uma escrava na Linha de Caboclos

por Cândida Camini


Iniciava o século XVIII, em uma fazenda no interior da Bahia nascia uma menina, filha de escrava com feitor branco.
Tinha pele cor de cuia e recebeu o nome de Ana.
Sua mãe morreu no parto, por isto foi criada pela avó, a Negra Zulmira, que era tida como rezadeira, sendo sempre chamada para encomendar a alma dos negros que morriam pelos maus tratos, por doença, ou seja lá qual fosse a causa.
Ana cresceu acompanhando as rezas de sua avó. Ficava encolhida num canto da senzala, só espiando. Ela conseguia ver e ouvir as almas, mas não tinha medo.
Gostava de passear pelo cemitério dos brancos e conversar com as almas que por lá perambulavam.
Um dia em que se demorou mais neste passeio, a Negra Zulmira, preocupada, saiu a procurá-la. Quando adentrou o cemitério e a viu conversando com as almas, decidiu que era hora de ensinar-lhe tudo a respeito deste seu ‘ofício’.
Os negros não tinham cemitério. Seus corpos eram jogados no rio, para os peixes comerem, ou deixados no mato, às feras. Os espíritos destes negros, muitos revoltados, ficavam vagando, querendo vingança, até serem chamados pelas preces da escrava rezadeira.
Dentro da senzala, bem disfarçado para que os feitores não percebessem, havia um local sagrado para os escravos. Era para este local que eram ‘chamados’ os espíritos destes negros. E ali eram auxiliados.
A Negra Zulmira era a encarregada deste auxílio, sempre acompanhada de Ana, e dos Orixás que ali eram cultuados, também.
Ana ficava encantada com a luz que os Orixás irradiavam.
Um, em particular, chamava sua atenção.
Era uma mulher, usava um longo vestido vermelho, uma espécie de véu, também longo, sobre a cabeça, preso por uma corda feita de cipós. Na mão, ela tinha uma espada de fogo.
Ana gostava de ficar observando quando este espírito de luz rodopiava, sem pisar o chão, formando redemoinhos de fogo com a espada e recolhendo as almas, levando-as ela não sabia ainda para onde.
Por vezes, em suas brincadeiras, tentava imitá-la, andando em círculos, até ficar tonta e quase ir ao chão.
Ana então perguntou a avó quem era aquele espírito de mulher, toda de vermelho, que ela via sempre quando estavam rezando as almas.
E a Negra Zulmira respondeu: é Iansã, a Orixá dos Ventos e explicou a ela tudo que podia compreender, sobre este e os demais Orixás.
Terminada a explicação, Ana declarou, determinada:
- Quero ser como ela!
Em noites de tempestade, trancada na senzala, Ana ficava aflita, não conseguia dormir. Seu desejo era sair e se banhar naquela chuva, sentir o vento, assustar-se (só um pouco) com o som dos raios e dos trovões. Enfim, sentir-se livre. Acabava adormecendo e seu espírito, liberto, podia atender seu desejo.
Ana já era mulher feita quando sua avó morreu. A partir deste dia, assumiu seu lugar, passando a ser chamada de Negra Ana Rezadeira.
Viveu para esta missão, sempre auxiliada pelo espírito da Negra Zulmira, sua avó e, quando morreu, foi acolhida pela avó e, claro, por Iansã.
Levada para Aruanda, depois de anos de treinamento e estudo, conforme seu desejo, passou a ser também uma falangeira de Iansã.
Hoje, trabalha em uma Seara de Luz, usando como ‘cavalo’ alguém que conheceu naquele tempo, naquela fazenda e por quem ela também rezou a alma.
Mas esta é uma outra história.

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